27 de abril de 2008

Às letras

Das lembranças dos meus sonhos,
agradáveis ou medonhos,
não consigo te esquecer...
...fecho os olhos um segundo
e das coisas desse mundo
só consigo ver você.
Tenho tido pesadelos
que se alguém pudesse vê-los
mandaria me prender:
sonho vendo-te amarrada,
constrangida, raptada,
obrigada a me querer!

Lembro as várias tentativas
cuidadosas, criativas
que arrisquei pra te vencer.
Eu sorria gentilmente,
com poemas e presentes,
mas você não quis saber!
Graciosa me dizia
Adorei - Ah...eu tremia
de pavor com esse clichê.
Mas também achava graça
da tragédia, da desgraça
da minha vida sem você.

Ah...inútil esperança,
que idiota, que criança,
que iludido teimei ser!
Fiz de sons literaturas,
de poemas partituras,
mas, meu Deus, em vão - por que?

Hoje tenho muitos anos,
medos, mágoas e enganos
e outros tantos para ter...
...sempre aos homens darei cenas,
sempre às letras mais poemas
de tristeza e de sofrer.

23 de abril de 2008

Fecha os olhos

- Fecha os olhos, pensa e dize-me o que vem ao teu pensamento.
A ordem, apesar de estranha, soara-lhe sedutora. Gostava de trancar-se em seus próprios pensamentos e de senti-los. Tinha uma imensa facilidade em assim agir e, na verdade, difícil era saber o que era realidade e o que era fantasia em sua vida.
- Dize-me o que pensas. Dize-me.
- (silêncio)
- Dize-me o que pensas, conta-me o que enxergas quando fechas os olhos e o que vês em pensamento.
- (silêncio)
Não queria falar. Aceitara a proposta, a levara a sério, não encontrara dificuldade alguma em mudar-se para dentro de si, em desligar-se de tudo que o rodeava e reclamava a sua atenção, mas não queria falar. Deitado no divã como em uma cama já conhecida, não dava o menor sinal de por onde andava a sua imaginação.
- Dize-me...o que pensas? O que estás a pensar?
- (silêncio)
A sua vida inteira tinha lutado contra os pensamentos que, agora, pediam-lhe para revelar. Tinha desistido de lutar sozinho contra aquelas idéias e, exatamente por isso, resolvera procurar ajuda. Contudo, nunca imaginara que a primeira coisa que lhe pediriam fosse: “fecha os olhos, pensa e dize-me o que vem ao teu pensamento”. Não sabia o que fazer. A consciência do caráter reprovável das suas idéias estava em conflito com as sensações de prazer que elas lhe provocavam. Não sabia o que fazer, não sabia o que falar e sofria por não conseguir controlar os pensamentos que, apesar de condenáveis, causavam-lhe prazer. Também não entendia como podia gostar de imaginar-se fazendo o que qualquer pessoa, e ele mesmo, sabia ser censurável. Resolvera, então, procurar ajuda quando sentiu que estava prestes a tornar realidade o que, antes, era apenas imaginação. Há alguns dias começara a sentir-se tentado, efetivamente, a experimentar o que há muito aparecia em sua cabeça apenas como possibilidade. Estava prestes, na iminência – uma iminência que o jogara em uma crise de consciência sem precedentes em sua vida. Agora encontrava-se ali, deitado, com os olhos fechados e instigado a falar sobre aquilo que procurara ajuda para evitar. Deveria falar, deveria entregar-se?, pensava, em meio a outros pensamentos, enquanto, com insistência, sua analista lhe pedia:
- Dize-me o que te afliges e que te trouxeste até a mim. Não tenhas medo. Sabes que estou aqui apenas para te ajudar. Não te julgarei e nem te reprovarei. Preciso apenas te conhecer. O que acontece em teus pensamentos? O que vês quando os olhos fechas e começas a pensar?
- (silêncio)
Com os olhos fechados, aceitara a sugestão de imaginar todas aquelas coisas abomináveis. No entanto, de repente, um outro pensamento começou a lhe chamar a atenção: encontrava-se, agora, sob a influência de uma especialista em pensamentos – como poderia, então, mostrar-lhe o que pensava? Não estaria, assim, tornando-se vulnerável a uma pessoa com poderes para penetrar-lhe até à alma? Não estaria, desta forma, favorecendo a possibilidade de enxergarem-no como louco, doente e abjeto? Demorou-se em tais idéias até o momento em que concluiu que não deveria falar. Manteve os olhos fechados e, frente aos pedidos que lhe chegavam aos ouvidos – “vamos, dize-me, o que trazes na alma?” –, resolvera continuar calado como desde o início. Seria o único a saber o que pensava – e a sofrer, ou a ter prazer, com aquelas idéias que estava na iminência de colocar em prática. Quem sabe as colocasse e quem sabe as revelasse ao colocá-las em prática. Quem sabe.
- Vamos, dize-me, o que pensas agora?
- (silêncio)
Silêncio.

20 de abril de 2008

De bocas que nunca saem flores não me interessam as pedras.

Férias de janeiro

Tinha acabado de completar 21 anos. Não conhecia o mar e ganhara dos meus pais uma viagem ao litoral do Brasil. As férias de janeiro eu usaria para conhecer o nordeste – trinta dias, como meu pai dizia toda vez que me encontrava e felicitava-me pelo presente. Um dia, arrumadas as malas, dirigi-me ao aeroporto carregando roupas e intenções que nem cheguei a desdobrar. Viagens há que planos são despedaçados e, nesse meu caso, não só várias das minhas roupas tornaram-se desnecessárias, como, também, várias das minhas iniciais intenções foram abandonadas. Durante quase toda a viagem – e não exagero quando assim confesso – permaneci nua na casa em que me hospedei. Não precisei das roupas e, para falar a verdade, quase não as vi, quase não as pus, quase não as toquei. Foram semanas em pele viva, literalmente.

Meu namorado não pode acompanhar-me. Preso a inúmeros compromissos, preferiu encontrar-me mais tarde, quando fosse possível e fosse o momento em que achasse por bem. Entretanto, por obra do destino, ou por obra do demônio, esse momento não aconteceu e ele não pode, nem mesmo, buscar-me no aeroporto quando da viagem cheguei. Nesse dia, no entanto, respirei aliviada. Eu não queria encontrá-lo. Eu não era mais a mesma. Viajara uma, voltara outra, completamente outra e não havia motivos para reencontrá-lo.

Assim que desembarquei em terras nordestinas, recepcionaram-me os familiares do meu pai: tios, primos, primas, namorados, namoradas e todos os familiares que queriam me conhecer. Eram familiares gentis, primas sorridentes, namorados felizes e primos habilidosos. Habilidosos e gostosos, preciso dizer. Habilidosos com as palavras, corajosos nas intenções e poderosos com os argumentos – como logo eu veria e experimentaria. Coitada de mim. Entrosamo-nos rapidamente e não demorou a nos sentirmos plenamente à vontade uns com os outros. Tal entrosamento – por obra do destino, ou do demônio, como ando pensando – nos levou a passar a maior parte das minhas férias na casa de praia que possuíam. Os tios e demais familiares não puderam ir. As dívidas e os compromissos que possuíam não os liberaram – e, como parte de uma conspiração que nem sei dizer se diabólica ou divina, as primas e seus desinteressantes namorados não puderam passar mais de um final de semana na casa em que nos hospedamos. Foram embora e, visivelmente enciumadas, deixaram-me a sós com três dos seus prediletos primos – os gostosos, habilidosos e os cheios de planos, planos que não se despedaçaram por obra e graça do demônio, tenho certeza.

Se, no aeroporto, um tesão à primeira vista já tinha rolado entre eu e os três, os primeiros dias que passamos juntos tinham sido suficientes para dar-nos uma intimidade que naquela abençoada casa desdobrou-se em sacanagem pura. Puríssima. Eu nunca tinha visto, nem feito, nada igual. Além disso, em pouco tempo desenvolvemos uma cumplicidade instantânea que eu não tinha nem mesmo com aquele que havia ficado em São Paulo esperando o melhor momento para me reencontrar – há momentos em que quando alguma coisa dá errada, era, na verdade, a melhor coisa a acontecer.

A sós, completamente sós, passamos vinte e uma madrugadas naquela casa de praia. Já na primeira dessas madrugadas, nossas conversas e brincadeiras eram, obviamente, as relacionadas ao sexo. Nessa primeira noite, noite de intenções e arrepios indefiníveis, ousamos e nos provocamos sem fim e sem juízo, revelando o que era velado e incendiando o que era inflamável. E tudo era inflamável. Confesso que era maravilhoso ser a única mulher na casa. Tudo girava em torno de mim e, por três semanas, eu era o centro absoluto de todas as coisas, de todos os desejos e de todas as intenções, fossem as que fossem. Transei e gozei sem parar nesses dias. Ato continuum. Eu era uma só, às vezes parecia três, mas, muitas vezes, cheguei a ser mil. Descobri limites impensáveis do meu próprio corpo e experimentei sabores que somente os homens têm e que somente os homens poderiam ter. Por três semanas inteiras, por minutos e segundos que nunca esquecerei, fiz o que quis, fizeram o que quiseram e fizemos o que quisemos. Dias inteiros eu passei deitada, dias inteiros eu passei despida. Tive-os todos e a cada um em cada quarto e em cada canto daquela casa afrodisíaca. Não nos cansamos em nenhum momento e até as praias utilizamos, salgando-as, ainda mais, com os suores dos nossos corpos quase sempre insaciados.

Com cada um visitei uma praia diferente. Nessas horas, horas em que apenas um me acompanhava, vivi situações que, quando juntos, não experimentamos. Com um, nas pedras que avançavam pelo mar, descobri o gosto das mulheres. Com outro, entre ondas e algas, descobri o que é ser penetrada sob os olhares famintos de pessoas estranhas que nunca saberei o sabor que têm. Com o último, o mais ousado, aprendi o que é a dor no sexo, experimentando, agradecida, um prazer que os outros me negavam.

Um dia, infeliz e inevitavelmente, a viagem terminou. Despedimo-nos com carinho e com saudade, eu diria. Voltei para a minha casa, carregando, na consciência, a certeza de que eu não era mais a mesma. Sentia-me feliz, realizada, mas não sei como me explicar melhor. Não carregava nenhum remorso e tinha, tanto na mente, quanto no coração, a convicção de que pessoas diferentes passam por diferentes experiências em diferentes momentos da sua vida, tirando, de cada experiência, aprendizados que podem, ou não, demonstrarem-se úteis ao longo de suas existências recheadas de opções e escolhas. Eu tinha aprendido algumas coisas, e, como nunca, conhecia-me melhor e não estava preocupada em avaliar, ou julgar, os caminhos daquele aprendizado. Eu estava bem. Muito bem – bem demais, diga-se de passagem.

Assim que entrei em casa, fiz o que deveria ser feito: liguei para o meu namorado e dei fim a nossa história. E, antes mesmo que eu pudesse pensar em arrependimento, aceitei, de imediato, o novo presente que meus pais prometiam-me para o ano seguinte: conhecer, nas próximas férias, o litoral sul do país, aonde, há décadas, estavam os parentes da minha mãe. Confesso que arrepiei.

13 de abril de 2008

Estrofe

O amor que se conserva enternecido
em meio à desastrosa realidade
é fogo em que na chuva tem sabido
o gás que lhe reserva a eternidade.

10 de abril de 2008

Sentimento

Nunca havia experimentado um sentimento tão intenso. Nada em sua vida comparava-se ao que estava sentindo, coisas que ocupavam a sua mente, todo o seu peito e, sobretudo, o seu coração. Na verdade, nem mais podia referir-se a qualquer uma das suas partes como suas partes. O remorso tomava-lhe uma a uma, às vezes de maneira sutil, às vezes de forma estúpida e dolorosa, arrancando-lhe lágrimas, suspiros e toda a esperança que tinha na vida. Não possuía mais esperanças, nenhuma, nenhumazinha capaz de lhe dar qualquer força, apetite, equilíbrio ou alegria. Alegria – nem mais sabia o que significava tal sentimento, tão estranho e abstrato quanto uma pérola em meio à lama, em meio ao lixo. Quando fechava os olhos, inundava-se de arrependimentos angustiantes que lhe sufocavam a alma e torturavam-lhe o coração. O remorso – o pior sentimento com o qual já havia se encontrado, o mais negativo, o mais poderoso e o mais difícil de ser expurgado, colocado para fora ou deixado de lado – fundira-se a ele. Como queria sentir raiva, desprezo ou qualquer outra coisa. Mas só sentia remorso – remorso, remorso e remorso. Um remorso profundo, com grandes raízes, entranhado em seu peito e em todos os cantos da sua alma de dor. Se pudesse fazer alguma coisa, refazer os caminhos que à desgraça o levaram. Mas não. Todos os caminhos estavam impedidos e apenas o remorso a abraçar-lhe com força, por dentro e por fora e de todas as formas, deixando-o fraco, perdido em si. O que fazer?, perguntava. Mas nada enxergava a não ser o remorso, o pior sentimento, o mais cheio de dor, o da culpa opressora, o do ódio a si mesmo sem trégua e perdão. O que fazer? O que fazer?, perguntava e ouvia o remorso a dizer: “nada, rapaz, não há nada a fazer".

6 de abril de 2008

Escola

Era, na verdade, um aluno brilhante. Tímido, porém brilhante. Desde que entrara para a escola comportara-se como um pequeno gênio. Nunca faltara, nunca atrasara, nunca tirara uma nota ruim e nunca deixara de receber elogios de qualquer professor – fosse quem fosse. Era sempre lembrado nas reuniões de mestres e todos os pais citavam-no como exemplo de responsabilidade e seriedade. Tinha total controle sobre a utilização do seu tempo e cumpria a todas as tarefas que lhe passavam de forma correta e exemplar. Não perdia tempo, não desviava a atenção, não cometia erros e não perdia o ritmo nunca. Era, há anos, o primeiro da sala, o orgulho dos pais, o queridinho dos professores, a promessa da família e o modelo de filho para muitos e muitas. Um dia, entretanto, as coisas mudaram. Suas notas abaixaram e sua produtividade caiu. Todos que o conheciam ficaram preocupados. Pais, professores e até os psicólogos fizeram-se dezenas de perguntas na tentativa de entender o que teria acontecido. Estaria doente? Estaria com problemas? Teria cansado de ser o primeiro, de ser melhor? Teria brigado com os pais, com alguém? Teria a escola perdido a graça, perdido o encanto? Todas as possibilidades foram levantadas. Contudo, nenhuma resposta fora encontrada. Pais, mestres, psicólogos, pedagogos e até mesmo médicos não conseguiram descobrir o que havia acontecido. Sua já conhecida timidez havia piorado e de nada adiantava chamá-lo para conversar. Não respondia às perguntas. Não respondia, não se importava e não melhorava. Permaneceu em decadência até o dia em que se formou portando as piores notas da escola. Anos se passaram, milhares de novos alunos se formaram e nenhum outro o substituiu tanto nos melhores quanto nos piores momentos da sua vida de estudante. Continuou, para sempre, como o melhor, depois o pior, aluno da escola – assim como uma grande incógnita para todos que o conheceram e, uma vez, o admiraram. Uma grande incógnita, diziam. Até às vésperas da sua morte – anos e anos após a escola – a incógnita em que havia se transformado manteve-se inteira e sem sinal de resolução, sendo, entretanto, inesperada e repentinamente solucionada quando, um dia, em seus últimos momentos, uma explicação ofereceu a todos que o ouviram em suas últimas palavras:

- Chegou um dia e sentou-se a minha frente, entre eu e os professores. Tinha cabelos lindos e caíam sobre a minha mesa. Foi quando eu conheci o amor, disse isso a ela. Mas não me quis. Nunca me quis.