17 de maio de 2009

Teria uma chance?

Acordava mais cedo para que pudesse vê-la a caminho da escola. Saía à porta de casa e observava atento a todos os movimentos da rua. Necessitava vê-la. Esse era, há muito, seu melhor motivo para levantar-se da cama. Posicionado, esperava pelo seu aparecimento, pelos seus calmos passos, pelo seu cabelo bailarino e seu olhar tranqüilo, despreocupado. Observava-a em cada detalhe. Com os olhos, acompanhava-a de uma esquina à outra pelo tempo de um brevíssimo minuto que guardava na memória pelo resto do dia. Era capaz de dizer o número de passos que ela dava para atravessar aquele abençoado espaço de uma esquina à outra. Sabia quando ela estava atrasada, quando estava em uma semana de provas; quando, denunciada pela maquiagem no rosto, saíra ou dormira na noite passada. Também sabia quando estava triste, feliz ou doente. Sabia muito sobre ela – pelo menos o que a observação lhe dizia. O resto imaginava. A sua idade, os seus desejos, os seus temores e pensamentos. Adorava o seu jeito e os seus lindos cabelos, os seus doces sorrisos e a maneira encantadora como andava. Há muito já havia se convencido de que não existia outra menina como aquela. Ela era um milagre. Um milagre para a sua vida e do qual não sabia o nome – o nome, de onde vinha, há quanto vinha, por quanto viria e se o notava. Certa manhã, após uma noite em que quase não dormira, resolveu observá-la um pouco mais cedo do que o de costume. Esperou-a na esquina em que sempre a encontrava. Satisfeitíssimo, quase não conseguiu conter a alegria em poder acompanhá-la por um tempo maior. Na manhã seguinte, manhã de uma noite quase toda passada em claro, esperou-a mais cedo ainda, antes mesmo da esquina em que a avistava pela primeira vez. Novos esforços para não se entregar. Nas manhãs que se sucederam, passou a esperá-la cada vez mais cedo. Esperava-a, entusiasmado, enfeitiçado por aquelas horas. Quase sempre, ao observá-la, pensava em perguntar-lhe o nome, se sabia que era um milagre e se o notara alguma vez. Mas nunca o fazia. Não conseguia pará-la, tocar-lhe o braço e dirigir-lhe a palavra – como mil vezes planejara e mil vezes desistira. Suspirava quando a via e perdia a coragem, reduzindo o seu mundo a minúsculos momentos entre esquinas e passos. Nunca a parava. Permanecia calado, apenas a observando e suspirando os ares de coragens esvaecidas. Um dia – um dia que não esperava e para o qual não havia se preparado – teve que trocar a covardia pelo desespero: deixou de encontrá-la. O que teria acontecido? O que teria a afastado? Haveria mudado? Haveria morrido? Como saberia? A quem perguntaria? Quem era? Como se chamava? Por que não falou com ela? Teria o notado? Teria uma chance? A veria novamente? Perguntas, angústias e questões que ficaram sem respostas. Não teve jeito, não houve como, teve que levá-las para o caixão.

Um comentário:

Marcelino disse...

Esse tipo de texto em prosa pra ser lido de um fôlego só, acompanhando a angústia do personagem ( que termina no encadeamento de interrogações) talvez seja mais palatável no papel, Leonardo. Já andei pensando sobre isso: parece-me q o portador do texto, o veículo de transmissão afeta um pouco o leitor. Pensa na diferença entre o papel e a tela; a luz, o manuseio... tudo interfere.