23 de julho de 2009

O teu silêncio

Não gosto do teu silêncio
como quem pilota aviões não gosta de turbinas silentes.
Não gosto do teu silêncio
como quem adora vulcões, trovões, tempestades
não gosta
- odeia -
a lenta
- e inaudível -
descida das plumas, das penas, dos flocos de neve.
Não gosto do teu silêncio
como quem se apavora com a onipresença
inexpugnável
do absurdo, absoluto, do silêncio do óbito.
Não gosto do teu silêncio
como quem,
em pé,
não tem os pés,
deitado,
não tem as costas,
respirando,
não tem o ar,
olhando,
não tem a luz.

Não gosto do teu silêncio
como quem dorme e as pálpebras não encerram o ato.

Não gosto do teu silêncio.
Não gosto do teu silêncio,
e não sei repetir esse som de silêncio,
esse dom do silêncio,
esse tom de silêncio.

Teu silêncio me entope, me entulha, me enfarta
- me dana, me engana e me dói.

Como me dana.
Como me engana.
Como me dói.

6 de julho de 2009

Negue

Olhava-o com o desespero dos que não têm a coisa desejada e pensava em como sobreviver àquele homem. Negue o seu amor, o seu carinho, gritava desorientada e enraivecida, sentindo-se cada vez menos ouvida e, pior ainda, cada vez mais abandonada. Não conseguia compreendê-lo. O que teria acontecido? O que teria o incomodado? Não haveria outra saída? Perseguia-o pela cidade, procurava-o pelos lugares que um dia freqüentaram juntos, mas nunca o via, nunca o encontrava e não sabia como fazê-lo ouvi-la. Tinha apenas o seu retrato. Diga que você já me esqueceu, pedia à fotografia, como que em busca de uma esperança nunca perdida e ainda tida como possível, apesar de desesperada. Fotografia em mãos, analisava-a detalhe por detalhe, procurando penetrar-lhe e provocar-lhe alguma vida através da qual pudesse reencontrá-lo, tocar-lhe novamente e jogar-se em seus braços. Mas nem assim - nem mesmo assim - conseguia reconquistá-lo. Havia sido desenganada, abandonada e, sistematicamente, desprezada em todas as suas tentativas de reencontro e pedidos de consideração. Mas não o esquecia – e, por isso mesmo, pise, machucando com jeitinho esse coração que ainda é seu, vivia lhe dizendo em pensamento, chorando e sofrendo em uma angústia sem fim. Diga que o meu pranto é covardia, mas – dizia à foto, a ele, antevendo-lhe acusando-a de exageros e dramas injustificados – não se esqueça que você foi meu um dia. Tinha vontade de reencontrá-lo e sufocá-lo com os beijos e as mãos que, agora, alternavam entre a foto e as lágrimas. Tinha vontade de demonstrar-lhe a sua dor, o desespero de quem não sabia esquecê-lo e nem aos dias em que viviam juntos. Carregava a foto consigo e nunca a abandonava. Usava-a para se animar, como quem a si mesmo acalma apagando o fogo com mais incêndios. Não era fácil. A solidão a entristecia e o desamparo a castigava. A sua vida não lhe pertencia e o seu tempo era o tempo de sentir-se desgraçada, impotente e injustiçada. Suas dores eram cortes lancinantes e profundos sofridos sem perdão. Se pudesse encará-lo, se pudesse indagá-lo por mais uma vez, a milésima vez, não seria diferente? Não seria possível que houvesse mudado de idéia? Diga que já não me quer, negue que me pertenceu, suplicava, desesperada, desejando uma resposta que pudesse persuadi-la e conformá-la. E da foto ouvia, alucinada, acusações e acusações que ela mesma não deixava sem resposta: e eu mostro a boca molhada, e ainda marcada, pelo beijo seu...