28 de maio de 2008

Procura

Nada, nada vale a pena:
a minh’alma tão pequena
não consegue sossegar
- vive em busca de um abrigo,
de uma ajuda, de um amigo,
de um motivo, de um lugar.

Enquanto

Viver, amor, só vale a pena se for pouco,
mas o bastante e nunca mais que o necessário:
o tanto quanto, por exemplo, vive o louco
acreditando ser um revolucionário.

22 de maio de 2008

Soneto de uma discussão

Oh Justo! Em só tormentos atiraste-me,
a fim de nem sei quê - pode explicar-me?
Abala-me saber que embora amaste-me,
açoita-me no entanto a mente e a carne.

Escuta-me, sê justo, apelo à morte,
a fim que não procuro-Te por mais!
Esqueço-me que nunca avistei sorte
- um túmulo, por fim, eu peço paz!

E assim, quando da morte eu me compor
- da Morte e apenas morte o corpo for -
Oh Justo! A vida deixe-me lembrar:

as horas - que são gotas de tristezas;
os dias - que se juntam, correntezas...
...Oh Vida ingloriosa de pesar!

13 de maio de 2008

Eu não valho o investimento

Gostaria que soubesses,
apesar de não quereres,
que se a morte me viesse
reclamando seus haveres,
eu diria "Morte, veja,
não há muito o que levar.
Leve a um verme que rasteja,
tens, assim, mais a ganhar.
Sou apenas restos, pó,

sou apenas estilhaços
- por favor deixe-me só,
o que queres com pedaços?
Não percebes que sou pouco,
que não valho os teus esforços?
O que queres com um louco?
Buscas vidas? Sou remorsos.
Corre atrás de ventanias
e terás muito mais sorte:
ganharás mais os teus dias
se buscares algo forte.
Sou remorsos e fraquezas,
um eterno sofrimento
- Ouve, Morte, com franqueza:
eu não valho o investimento."

11 de maio de 2008

Há tempos

Quando sua mulher engravidou pensou que, finalmente, viveria a experiência que justificaria sua existência. Já tinham se passado quase quarenta anos desde que viera ao mundo, porém, até aquele momento, sentia que nada era digno de nota ou consideração em sua vida. Agora, prestes a tornar-se pai, desconfiava de que as coisas ganhariam algum sentido. Sua insignificante existência ganhara a chance de terminar possuindo algum significado. Sabia que sua esposa o amava, e muito. No entanto, a paternidade trar-lhe-ia a presença inquestionável do amor incondicional de um filho ou de uma filha. Assim, a partir do momento em que soube que seria pai, seus pensamentos voltaram-se a uma só questão: seria menino ou menina essa única pessoa para a qual ele seria muito importante? Sentiu-se a pessoa mais privilegiada do mundo quando a vida deu-lhe a resposta. Há quase quarenta anos procurava entender o que era ser um homem e, agora, sem qualquer preparação, viu-se encarregado da maior responsabilidade que já haviam colocado sobre as suas não tão largas costas: cuidar de uma mulher – de uma criança, na verdade, mas que, caso ele obtivesse sucesso naquela estranha e novíssima tarefa, um dia viria a ser uma mulher. Contudo, a vida tinha lhe preparado um desafio ao qual não sabia se estava à altura. No mesmo momento em que ganhou uma filha, perdeu a mulher nas incompreensíveis complicações cirúrgicas que subtraem vidas inocentes em hospitais não tão inocentes assim. Em suas não tão espaçosas costas, a partir daquele momento, fora obrigado, também, a carregar o peso da solidão. Entretanto, nas madrugadas que se sucediam, tal peso era sempre arremessado para o alto pelo choro da filha reclamando a sua atenção. O silêncio da casa era invadido pelo gemido daquela pequenina que, quando deitada na cama ou em seus braços, parecia uma caixinha de surpresas. Todavia, a ausência de sua esposa era sempre presente. Sentia a sua falta e carregava uma tristeza sem tamanho por tê-la perdido. Doía não tê-la presente nas trocas das fraldas que juntos estocaram, na hora das mamadeiras, dos primeiros brinquedos, dos primeiros passos e das primeiras palavras daquela que era o produto em miniatura de um imenso amor. Sua esposa fazia-lhe falta e não havia, na vida, parentes ou amigos que amenizassem a sua ausência. Ela era – como ele acreditava – o caminho que o levaria a descobrir o porquê da sua própria vida. Mas o destino, artesão de surpresas, tirou-lhe um caminho e ofereceu-lhe outro – e, com o passar do tempo, suas cada vez mais cansadas costas viram fraldas virarem calças, chupetas virarem batons, brinquedos virarem amigos e as noites recheadas de gemidos virarem madrugadas mal dormidas à espera da garota. Dia após dia, sozinho, cuidou da criança e dos seus penteados, do seu guarda-roupa e dos seus namorados. Buscou-a na escola e levou-a em festas, às vezes seguro, outras preocupado, mas sempre disposto e com todos os zelos. Não reclamava nunca. Ano após ano, também sonhava quase todas as noites com a esposa e acreditava vê-la andando pela casa, conversando com a filha ou dormindo ao seu lado. Falava com ela tantas e tantas vezes que acabou por chamar a atenção dos amigos, dos vizinhos e de todos os que o viam falando com os ares e as paredes. Até a filha – que crescera acostumada com as estranhezas do pai – começou a achar que a loucura alcançara-o, acompanhando-o pelo mundo e corroendo-o por dentro. Sentado na varanda da casa, ou na cama do quarto, passou a ficar horas olhando a janela e os quadros da parede, encarando-os como se pudesse adentrá-los. Aos poucos, deixou de se relacionar com as pessoas e ampliou o tempo em que passava os dias conversando somente consigo mesmo, coisas desconectadas e incompreensíveis a todos que se aproximavam e o ouviam. Fechou-se em si mesmo e, com os olhos inexpressivos, assim caminhou para o fim da vida acompanhado apenas por aquela que desde sempre havia sido a sua mais constante e misteriosa companhia: a dúvida sobre o porquê da sua existência. Quando partiu, não deixou sinal de que havia resolvido a questão. Foi embora e, ao despedir-se da filha, chorou como não havia feito em todos aqueles dias marcados pela falta da esposa a cada fralda trocada ou madrugada mal dormida. No último momento, segurou a sua mão e a encarou como não o fazia há anos. De repente, cerrou os olhos e nunca mais voltou a abri-los, respirando por mais pouquíssimas vezes até que deixou de fazê-lo por completo – para muitos, para descansar em paz, mas, para a filha e todos que o conheciam bem, para apenas e tão somente voltar aos braços daquela que o esperava há tempos.

3 de maio de 2008

Esquerda

Nada lhe chamava tanto a atenção quanto a moça que trabalhava a sua esquerda. Aliás, a sua esquerda, somente duas coisas lhe chamavam a atenção: a moça, espetacular e maravilhosa como o cenário de um paraíso, e o seu coração, descompassado e desacertado como um relógio fora de hora. A moça, inconcebível, estava bem. Seu coração, no entanto, nem tanto. Andava estranho, desentoado. Contudo, não era ele, e sim a moça, mais à esquerda e admirável, que lhe chamava a atenção. Ela era perfeita. Tinha a beleza que nenhuma outra possuía e a sensualidade que ele sempre procurara nas mulheres que observara. Observara. Depois que a conheceu, não observou mais ninguém. Ela era, há anos, e a sua esquerda, o único mundo que existia. Um dia, e sem que esperasse, seu chefe o chamou em sua sala:

- Nossa empresa iniciou um processo de contenção de custos e, em função disso, não necessitaremos mais da prestação dos seus serviços. Agradecemos a sua compreensão e temos a certeza de que logo você estará recolocado no mercado. Quando Deus fecha uma porta, alguma janela se abre. Aproveite a oportunidade para realizar algum sonho: viaje, descanse, faça um curso, comece a pintar. Quem sabe do que somos capazes? Torceremos pelo seu sucesso e desejamos boa sorte. Adeus.

Seu coração, descompassado, quase se desesperou com a notícia. Quis bater com mais vontade, mas não mudou de entonação. Quem sabe fosse verdade aquela história da janela ou possuísse, entre os seus dons, a habilidade de pintar. Todavia, como era de se esperar, apenas uma coisa o incomodou: sair daquela empresa significava perder aquela moça, não mais tê-la a sua esquerda e não mais admirá-la. Isso era preocupante. Perderia, de uma vez, aquela moça e o seu mundo – a sua esquerda desencontrada. O que fazer?, se perguntava. Alguns meses após a sua demissão, e após viajar, descansar, estudar, pintar e procurar por janelas à esquerda e à direita, seu coração, adoentado, ordenou-lhe voltar à empresa que, em uma das suas salas, guardava a metade que lhe fazia falta. Obedeceu-o, ora feliz, ora angustiado, mas decidido a encontrá-la, aproximar-se e a revelar-se. Entretanto, verdadeira angústia sentiu quando adentrou à sala em que trabalhava com a moça e não a avistou. Meio triste, mas resoluto, perguntou aos ex-colegas o destino da mulher e obteve, de imediato, o inimaginável por resposta:

- Logo após a sua demissão, coisa de dois dias se não estamos enganados, ela nos procurou dizendo que queria o seu endereço. Não o tínhamos e não o encontramos nos arquivos da empresa – fato que, a princípio, estranhamos, mas que, mais tarde, compreendemos por completo. Também não sabíamos como encontrá-lo e não tínhamos a menor idéia de onde lhe procurar.

Nessa hora, seu coração e sua respiração aceleraram-se. Os ex-colegas, sem perceber, continuaram.

- Ouça o que ela mesma nos explicou: um dia antes da sua demissão, o chefe que lhe demitiu declarou-se a ela. Disse-se apaixonado e convencido a separar-se da esposa para com ela se casar. Contudo, segundo o que ela própria nos disse, o mesmo não obteve a resposta que desejava. Fora surpreendido por uma enérgica negatória que, dentre outras coisas, o fizera estremecer, perder a cabeça e derramar algumas lágrimas. Às pretensões descabidas com que ele a surpreendera, ela, corajosamente, opôs-se dizendo que, por você, nutria, secretamente, um sentimento que havia oscilado da admiração ao amor incondicional.

Naquela sala, e naquele momento, ninguém podia supor o que se passava em sua cabeça e em seu peito. Se soubessem, parariam. Não foi o caso.

- Segundo o que ela nos disse, tal colocação levou-o a perder a cabeça e a afirmar que iria lhe demitir, como realmente o fez, na esperança de lhe tirar de perto dela. Disse-nos, ainda, que, ajoelhada, implorou para que ele não lhe prejudicasse, que você não tinha culpa do que ela sentia e que nunca, em todos esses anos, você a havia percebido, mesmo ela estando tão próxima, tão perto, trabalhando, ali, a sua esquerda. Assim, após a sua demissão e sem que soubéssemos o que fazer, nossa colega começou a adoecer, a perder a vitalidade e a beleza que você conheceu. Um dia, como temíamos, ela não apareceu. Internou-se em um hospital para a realização de um tratamento que, infelizmente, não logrou êxito em restabelecer as forças que abandonaram o seu corpo pelas portas do coração despedaçado. Contudo, antes de falecer, ela nos enviou esta carta que, agora, lhe entregamos com a certeza de que esse era o seu destino.

Com a mão estendida, pegou a carta certo de que viveria a maior emoção da sua vida. Porém, desacertado como era, seu coração tinha outros planos. Impediu-o de sentir aquela emoção e, com carta e tudo, jogou-o à esquerda da sala que não passava de uma sala para os outros, mas que, para ele, fora o início e o fim de uma vida descompassada – descompassada, sem portas e sem janelas.

2 de maio de 2008

Por que não voltas?

Por que não voltas, oh produto do Destino?
A casa espera-te, teus doces prediletos...
As coisas tuas no teu quarto de menino
estão sofrendo em tua falta o desafeto.

Por que escolheste o que os teus olhos escurece?
O vento sopra-te os cabelos nesses ares?
A mãe sozinha que deixastes não te esquece
- amigos mais fizestes assim noutros lugares?

Antes pudera em teu lugar eu ter partido
e às vezes vejo-me em busca do caminho,
como se eu fosse em busca do não discutido
a Deus pedir que em teu lugar fosse eu sozinho.

Por que não voltas, oh dos brilhos os lampejos?
As coisas tuas não te querem desse lado...
...entregue a Deus o teu carinho nos teus beijos
e volte à casa de teu pai desconsolado.