20 de abril de 2008

Férias de janeiro

Tinha acabado de completar 21 anos. Não conhecia o mar e ganhara dos meus pais uma viagem ao litoral do Brasil. As férias de janeiro eu usaria para conhecer o nordeste – trinta dias, como meu pai dizia toda vez que me encontrava e felicitava-me pelo presente. Um dia, arrumadas as malas, dirigi-me ao aeroporto carregando roupas e intenções que nem cheguei a desdobrar. Viagens há que planos são despedaçados e, nesse meu caso, não só várias das minhas roupas tornaram-se desnecessárias, como, também, várias das minhas iniciais intenções foram abandonadas. Durante quase toda a viagem – e não exagero quando assim confesso – permaneci nua na casa em que me hospedei. Não precisei das roupas e, para falar a verdade, quase não as vi, quase não as pus, quase não as toquei. Foram semanas em pele viva, literalmente.

Meu namorado não pode acompanhar-me. Preso a inúmeros compromissos, preferiu encontrar-me mais tarde, quando fosse possível e fosse o momento em que achasse por bem. Entretanto, por obra do destino, ou por obra do demônio, esse momento não aconteceu e ele não pode, nem mesmo, buscar-me no aeroporto quando da viagem cheguei. Nesse dia, no entanto, respirei aliviada. Eu não queria encontrá-lo. Eu não era mais a mesma. Viajara uma, voltara outra, completamente outra e não havia motivos para reencontrá-lo.

Assim que desembarquei em terras nordestinas, recepcionaram-me os familiares do meu pai: tios, primos, primas, namorados, namoradas e todos os familiares que queriam me conhecer. Eram familiares gentis, primas sorridentes, namorados felizes e primos habilidosos. Habilidosos e gostosos, preciso dizer. Habilidosos com as palavras, corajosos nas intenções e poderosos com os argumentos – como logo eu veria e experimentaria. Coitada de mim. Entrosamo-nos rapidamente e não demorou a nos sentirmos plenamente à vontade uns com os outros. Tal entrosamento – por obra do destino, ou do demônio, como ando pensando – nos levou a passar a maior parte das minhas férias na casa de praia que possuíam. Os tios e demais familiares não puderam ir. As dívidas e os compromissos que possuíam não os liberaram – e, como parte de uma conspiração que nem sei dizer se diabólica ou divina, as primas e seus desinteressantes namorados não puderam passar mais de um final de semana na casa em que nos hospedamos. Foram embora e, visivelmente enciumadas, deixaram-me a sós com três dos seus prediletos primos – os gostosos, habilidosos e os cheios de planos, planos que não se despedaçaram por obra e graça do demônio, tenho certeza.

Se, no aeroporto, um tesão à primeira vista já tinha rolado entre eu e os três, os primeiros dias que passamos juntos tinham sido suficientes para dar-nos uma intimidade que naquela abençoada casa desdobrou-se em sacanagem pura. Puríssima. Eu nunca tinha visto, nem feito, nada igual. Além disso, em pouco tempo desenvolvemos uma cumplicidade instantânea que eu não tinha nem mesmo com aquele que havia ficado em São Paulo esperando o melhor momento para me reencontrar – há momentos em que quando alguma coisa dá errada, era, na verdade, a melhor coisa a acontecer.

A sós, completamente sós, passamos vinte e uma madrugadas naquela casa de praia. Já na primeira dessas madrugadas, nossas conversas e brincadeiras eram, obviamente, as relacionadas ao sexo. Nessa primeira noite, noite de intenções e arrepios indefiníveis, ousamos e nos provocamos sem fim e sem juízo, revelando o que era velado e incendiando o que era inflamável. E tudo era inflamável. Confesso que era maravilhoso ser a única mulher na casa. Tudo girava em torno de mim e, por três semanas, eu era o centro absoluto de todas as coisas, de todos os desejos e de todas as intenções, fossem as que fossem. Transei e gozei sem parar nesses dias. Ato continuum. Eu era uma só, às vezes parecia três, mas, muitas vezes, cheguei a ser mil. Descobri limites impensáveis do meu próprio corpo e experimentei sabores que somente os homens têm e que somente os homens poderiam ter. Por três semanas inteiras, por minutos e segundos que nunca esquecerei, fiz o que quis, fizeram o que quiseram e fizemos o que quisemos. Dias inteiros eu passei deitada, dias inteiros eu passei despida. Tive-os todos e a cada um em cada quarto e em cada canto daquela casa afrodisíaca. Não nos cansamos em nenhum momento e até as praias utilizamos, salgando-as, ainda mais, com os suores dos nossos corpos quase sempre insaciados.

Com cada um visitei uma praia diferente. Nessas horas, horas em que apenas um me acompanhava, vivi situações que, quando juntos, não experimentamos. Com um, nas pedras que avançavam pelo mar, descobri o gosto das mulheres. Com outro, entre ondas e algas, descobri o que é ser penetrada sob os olhares famintos de pessoas estranhas que nunca saberei o sabor que têm. Com o último, o mais ousado, aprendi o que é a dor no sexo, experimentando, agradecida, um prazer que os outros me negavam.

Um dia, infeliz e inevitavelmente, a viagem terminou. Despedimo-nos com carinho e com saudade, eu diria. Voltei para a minha casa, carregando, na consciência, a certeza de que eu não era mais a mesma. Sentia-me feliz, realizada, mas não sei como me explicar melhor. Não carregava nenhum remorso e tinha, tanto na mente, quanto no coração, a convicção de que pessoas diferentes passam por diferentes experiências em diferentes momentos da sua vida, tirando, de cada experiência, aprendizados que podem, ou não, demonstrarem-se úteis ao longo de suas existências recheadas de opções e escolhas. Eu tinha aprendido algumas coisas, e, como nunca, conhecia-me melhor e não estava preocupada em avaliar, ou julgar, os caminhos daquele aprendizado. Eu estava bem. Muito bem – bem demais, diga-se de passagem.

Assim que entrei em casa, fiz o que deveria ser feito: liguei para o meu namorado e dei fim a nossa história. E, antes mesmo que eu pudesse pensar em arrependimento, aceitei, de imediato, o novo presente que meus pais prometiam-me para o ano seguinte: conhecer, nas próximas férias, o litoral sul do país, aonde, há décadas, estavam os parentes da minha mãe. Confesso que arrepiei.

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