2 de março de 2008

Outrora


Há muito tempo não dormia mais em paz. Abria os olhos a toda hora, nervoso, contrariado. Sentia que ela o traía e isso o deixava desorientado. Sentado no canto da cama, observava-a, calado, procurando a coragem de falar-lhe a respeito. Às vezes, também, pensava em sufocá-la. Só não sabia se com as mãos ou o travesseiro. Mas não tinha coragem. Preferia morrer ao invés de matá-la, afinal, morte por morte, a sua já era quase um fato. Traído, humilhado, desrespeitado – era quase um morto, pensava. Passava as noites imaginando o que teria feito de errado, o que deixara faltar e o porquê de terem chegado àquela situação. Mas, ao invés de respostas, deparava-se apenas com mais e mais pensamentos angustiantes, dúvidas inquietantes e sentimentos dilacerantes. Amava-a, e não era pouco. Por isso mesmo, julgava-se morto ao sentir-se traído, enganado, ao sentir que outros – outros, meu Deus, outros! – tinham a sua mulher até mais do que ele mesmo. Ao saber que outros – quem? quantos? onde?!? – com ela transavam enquanto ele trabalhava, viajava e houvesse ocasiões para ser enganado. Muitas vezes, no meio da noite, suado e ofegante, acordava sobressaltado, querendo falar com ela. Falar ou sufocá-la, com as mãos e o travesseiro, como havia decidido caso fosse mesmo eliminá-la. Mas se continha. Não tinha coragem, então se continha. Quando se decidia por não sufocá-la, pensava em questioná-la, em perguntar-lhe a verdade, em ajudá-la a confessar, a implorar perdão e a entregar os nomes dos bois. Mas não tinha coragem. Acovardava-se ao imaginá-la desabafando, confessando e apresentando nomes. Nomes, um plural que o torturava e que não saía de sua mente. Atordoava-se, desesperava-se, pensava nos filhos e continha-se por eles. O que poderia fazer? O que deveria ser feito? Pensava nos filhos, nos amigos, nos vários vizinhos e nas mentiras da vida, do seu casamento, nas estórias difíceis e mal acabadas de todos os tempos anteriores aos dois, nas inúmeras brigas e inúmeros atos de dor e maus tratos, nas mil violências de um contra o outro e em todas as chances e sonhos perdidos, nas desilusões, nas desesperanças e no medo do fim, de um fim sem retorno. Calava-se. Entupia-se com o ódio, a dor e o ciúme, engolindo a seco, com medo e impotência, a vontade de saber a verdade. De vê-la partindo. Partindo ou morrendo. Se tivesse coragem, pensava. Se tivesse coragem, nem mão, nem travesseiro. Um só tiro – passou a calcular – um só tiro, e o problema estaria resolvido. Um só tiro, ficava repetindo para si mesmo, perturbado, quase visualizando uma arma em sua mão outrora amável e carinhosa. Um só tiro, um só tiro, um só tiro, pensou e repetiu milhares de vezes, obstinado, obcecado, desesperado, até o dia em que decidiu dar não só esse tiro, mas outros também, e com aquela mão, outrora, amável e carinhosa.

Nenhum comentário: